O reencontro aconteceu no salão do Terminal 3 do aeroporto. Philipe abraçou o pai, Antônio, e Luckas amparou a mãe, Cleide, que caiu no choro quando o filho saiu de dentro das portas da delegacia.
Veja o momento do reencontro:
Brasileiros vítimas de tráfico humano reencontram família em São Paulo
Luckas relembrou as torturas e mostrou marcas das agressões que sofreu enquanto esteve sob domínio dos criminosos em Mianmar. A mãe, Cleide, ouviu pela primeira vez o filho falar das torturas e caiu no choro. Ela precisou se sentar na praça de alimentação do aeroporto porque começou a passar mal.
— Eu estou muito feliz de estar aqui, de ver a minha mãe, sei que ela ficou bastante preocupada. Foi muito difícil estar lá, eles batiam na gente quase todos os dias — diz Luckas. O rapaz relembrou uma das punições mais severas que sofreu, quando foi pego mandando uma mensagem para um amigo e exibiu os pulsos, ainda roxos.
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— Me bateram muito e me colocaram na prisão. Essas são as marcas (das algemas) — disse o jovem, que durante a punição passava 17 horas algemado com os braços estendidos, em posição de cruz.
Philipe, por sua vez, deu detalhes de como foi recrutado e as metas que eram obrigados a cumprir dentro do KK Park, nome da fábrica de fraudes onde eles foram feitos prisioneiros.
— Eu tinha dois personagens, um homem e uma mulher. Eram golpes pelo WhatsApp, cheguei a aplicar um golpe em uma brasileira. A gente tinha uma meta mensal para bater, primeiro era de US$ 5 mil, mas cada mês ia aumentando, US$10 mil, US$11 mil, e tinha a punição se não cumpria — disse o rapaz, que também mostrou marcas de espancamento pelo corpo.
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Philipe lembra que a fuga do complexo, há quase 2 semanas, inicialmente deu errado. Ele e Luckas foram pegos enquanto tentavam atravessar do KK Park até a fronteira com a Tailândia e, presos, foram espancados, até que foram libertados pelo Exército Budista Democrático Karen, um grupo armado de Mianmar.
— Pretendo voltar para faculdade, ainda é cedo para fazer planos, e o resto é descansar — diz Philipe.
Um dia antes de embarcarem, Luckas e Felipe gravaram um depoimento na embaixada de Bangkok que foi publicado nas redes sociais do Ministério das Relações Exteriores.
— A gente veio para a Ásia com o sonho de um trabalho melhor, mas nosso sonho foi por água abaixo. Fomos vítimas de tráfico humano. Chegamos na Tailândia e fomos mandados para Mianmar, sofremos bastante lá. Graças a embaixada, ao Itamaray, ao governo da Tailândia (fomos resgatados) — disse Luckas.
— Também dar um alerta para vocês, tomem muito cuidado, viemos com um sonho para cá e esse sonho acabou se tornando um pesadelo — afirmou Phelipe.
Conforme noticiado pelo GLOBO em dezembro do ano passado, Phelipe foi atraído por uma vaga de emprego na Tailândia cerca de um mês após o paulistano Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, cair na rede de tráfico humano.
— Ele já tinha trabalhado na Tailândia em um cassino no ano passado. De lá, ele foi para Dubai e ficou três meses também em um cassino, e, depois, seguiu para as Filipinas. Em agosto, ele voltou ao Brasil e conseguiu um emprego no Uruguai, mas logo em seguida chegou essa proposta pelo Telegram — relatou Antônio Ferreira, pai de Phelipe.
A oferta feita pela rede social dava conta de uma vaga emprego em um call center de Bangcoc, com salário de US$ 2 mil mais comissões e um cargo de líder em uma equipe. Com as passagens pagas pela suposta empresa, o brasileiro embarcou rumo à Tailândia, onde chegou no fim de novembro e ficou hospedado em um hotel.
A partir do dia 22 daquele mês, os familiares perderam o contato com o rapaz. A última localização do telefone do brasileiro indica que ele estava em uma estrada próximo a uma área de mata em Mianmar.
O relato feito por Antônio Ferreira foi similar ao de Cleide Viana, mãe de Luckas Viana. Ela contou que o filho também tinha experiência trabalhando em cassinos no Sudeste Asiático, onde atuava no atendimento a clientes brasileiros. Ele se mudou para a Tailândia no mês de setembro em busca de novas oportunidades de emprego.
— A ideia era trabalhar em um cassino — diz a mãe do brasileiro, que, segundo ela, chegou a trabalhar em um hostel nos primeiros dias no novo país. — Foi aí que apareceu a vaga pelo Telegram. Ele iria trabalhar como intérprete de brasileiros. Ofereceram moradia, um salário equivalente a R$ 8 mil e um contrato de seis meses.
O local do emprego seria a cidade tailandesa de Mae Sot, que faz fronteira com Mianmar e está a seis horas de carro de Bangcoc. Assim como ocorreu com Phelipe, um motorista da suposta empresa foi buscar Luckas Viana na madrugada. No trajeto, aconteceram trocas de carro, e o brasileiro chegou a realizar trechos da viagem de barco, ultrapassando a fronteira.
Phelipe Ferreira e Luckas Viana ficaram mantidos no mesmo complexo de Mianmar em condições precárias, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO. Assim como outras vítimas de tráfico humano na região, eles foram obrigados a aplicar golpes virtuais em pessoas do mundo todo. Nesses locais, os estrangeiros são vítimas de torturas, envolvendo choques e agressões físicas. Ameaças de morte também são constantes.
Os brasileiros combinaram de fugir de sábado, 8 de fevereiro, para domingo, dia 9, por volta de 2h30 da manhã, junto a um grupo de 85 pessoas de diferentes países que também haviam sido pegas pela máfia. A fuga aconteceu após um acordo com o Exército Budista Democrático Karen (DKBA, na sigla em inglês) — grupo armado ativo em Mianmar que integra a máfia chinesa.