
As fotografias que acompanham os textos de ‘No entender’ (ainda sem tradução no Brasil), o livro de memórias de uma das intelectuais mais importantes da Argentina, Beatriz Sarlo (1942-2024), cobrem em uma introdução e cinco capítulos a história que vai desde o romance familiar e os momentos de iniciação até os episódios que marcaram a vida da autora, falecida em 17 de dezembro, aos 82 anos.
São cenas em preto e branco da infância, com as tias, ou em Deán Funes, Córdoba, onde passava os verões. Há retratos de jovens, posando de perfil para uma campanha publicitária cultural, de maturidade; vários deles com um cigarro na mão.
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“Aos 11 anos, num caderno, desenhei uma mulher no meio de um caminho delimitado por compasso, esquadro, pincéis, lápis e livros. A tradução do desejo foi fácil naquela época, quando eu ainda não havia me treinado para desconfiar e interpretar minhas ideias. Eu era aquela silhueta estilizada e cuidada, cujo percurso se traçava num espaço chamado ‘cultura’, que oscilava entre as ciências e as artes”, escreve sobre o que não ousa chamar de “vocação”, mas que apareceu na infância.
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Numa outra passagem sobre os seus anos escolares que definem o seu temperamento, confessa: “Na escola repetia esse comportamento bipolar: obediente e desobediente, numa síntese de opostos irredutíveis segundo a lei. Eu era prolixa e obsessiva na sala de aula e no caderno, mas hostil e rebelde assim que colocava um ponto final em um problema matemático ou na ortografia de um ditado. Como se esse final me autorizasse a transformar um comportamento gregário e disciplinado num exercício contínuo de desobediência. Uma coisa compensou a outra e, por isso, outros tiveram que fazer as contas e aceitar o resultado.”
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“Na década de 80 tudo mudou, como se, um tanto tarde, tivesse surgido uma oportunidade que eu realmente não buscava durante a ditadura, quando preferi ficar em Buenos Aires, a única cidade que me conhecia, a única que conhecia. De repente, em 1985, morei quatro meses em Nova York; no ano seguinte, quatro em Minneapolis e no ano seguinte outros quatro em Washington. De repente, sem que eu fizesse nenhum gesto, bastante surpresa com a oferta, convidaram-me, como professora visitante, para lecionar numa universidade americana.
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Junto com a última fotografia, com moldura e tapete, Sarlo escreveu uma reflexão sobre o fim, não do livro, mas da vida. “As oportunidades são um terreno fértil para o pensamento retrospectivo: se eu tivesse agido dessa forma, eu teria feito… E as reticências que seguem o verbo em potencial prometem uma hipótese suave e enganosa. O que eu teria feito e não fiz? Não sei, porque, como indica o verbo, pertence ao domínio obscuro das possibilidades, muitas delas infundadas, muitas desconhecidas, muitas difíceis de cumprir, mais difíceis que a própria condição. De repente, vem à mente uma frase de Thomas Bernhard: ‘A morte é o objetivo’. E se aquela reiteração hipnótica estivesse me aproximando de uma ideia de morte?”
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