
Opinião
O direito ao silêncio é um dos pilares da ampla defesa e da proteção contra a autoincriminação. Embora consagrado constitucionalmente, sua aplicação seletiva ainda gera controvérsias, especialmente em procedimentos de natureza sancionatória, como os processos ético-disciplinares. Este artigo propõe uma reflexão sobre a legitimidade do silêncio seletivo como estratégia de defesa e sua compatibilidade com os princípios constitucionais.
A Constituição, em seu artigo 5º, inciso LXIII, assegura ao acusado o direito de permanecer calado, sem que isso implique presunção de culpa. O Código de Processo Penal reforça essa garantia (artigo 186, parágrafo único), assim como a doutrina jurídica, conforme Aury Lopes Jr.:
“do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado”.
O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), em seu artigo 68, determina que as regras da legislação processual penal sejam aplicadas subsidiariamente, em primeiro plano, ao processo ético-disciplinar da OAB (precedente do CFOAB, Recurso nº 26.0000.2017.00070-0/SCA-STU, EDcl, 2ª Câmara, julgado em 22/10/2024).
O silêncio seletivo — a escolha consciente de responder apenas às perguntas que favorecem a defesa — não configura omissão, mas sim uma forma qualificada de exercício da liberdade. Trata-se de uma manifestação legítima do princípio nemo tenetur se detegere, que protege o indivíduo contra a autoincriminação.
Nos processos ético-disciplinares da OAB, que podem culminar em sanções como advertência, suspensão ou exclusão, é imprescindível a observância dos mesmos princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal, incluindo o direito à ampla defesa e ao silêncio seletivo.
Spacca
O Superior Tribunal de Justiça, no HC 833.704/SC, reconheceu que “se é possível não responder a nenhuma pergunta, é possível também responder apenas a algumas perguntas”. Na mesma linha, o STF, no RHC 213.849/SC, afirma que “o direito constitucional ao silêncio deve ser exercido pelo acusado da forma que melhor lhe aprouver”.
O Conselho Federal da OAB, ao atuar como amicus curiae em ação no Supremo Tribunal Federal (Tema 1.185), reforçou a garantia constitucional do direito silêncio, além disso, posicionamento de que o direito sancionador brasileiro não admite presunção de culpa, seja pelo exercício do silêncio, seja pela inversão do ônus da prova.
Conclui-se que o silêncio seletivo é mais do que um direito — é uma escolha consciente e legítima de defesa. Sua aplicação nos processos ético-disciplinares é essencial para garantir a proteção contra autoincriminação e assegurar a autonomia do sujeito passivo na condução de sua estratégia processual. O respeito a essa garantia constitucional deve ser rigorosamente observado.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Código de Processo Penal.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
Superior Tribunal de Justiça. HC 833.704/SC.
Supremo Tribunal Federal. RHC 213.849/SC.
Conselho Federal da OAB. Disponível aqui