
Não há dúvidas que a atual geração de placas de vídeo da Nvidia é uma das mais mal-recebidas pelo público. Alguns modelos chegaram a passar por momentos vexame nas vendas iniciais, como é o caso da GeForce RTX 4060 Ti e da RTX 4080.
Mas, a série RTX 40 é um lançamento ruim? Ou nossa percepção do produto é injusta? Vamos tentar responder essa pergunta neste artigo!
A melhor forma de respondermos se a nossa subjetividade está errada é contrabalancear isso, ao máximo, com pura objetividade. Vamos trabalhar principalmente com estatísticas e números, tentando medir o que determina uma boa geração de placas de vídeo.
Nosso recorte vai se debruçar principalmente sobre o produto mais relevante de cada geração. Como é bastante claro tanto pelos dados da Pesquisa de Hardware e Software do Steam e também no nossos relatórios de vendas da ferramenta do Economize com o Adrenaline, a série GeForce 60 é a que mais importa para os gamers, concentrando boa parte das vendas.
Também vamos olhar o segmento topo de linha para ter outra métrica: ver o quanto a tecnologia da Nvidia evoluiu em sua implementação máxima. E medir o quanto desse potencial é entregue na linha mais popular da empresa.
Para a comparação, vamos partir desde a GTX 460, lançada em julho de 2010, até a RTX 4060, lançada a pouco mais de um mês, cobrindo assim quase 13 anos de lançamentos da empresa.
Vamos começar avaliando o preço das GeForces 60. Aqui vamos usar o preço de referência da Nvidia em dólares, lembrando que houve grandes distorções nesses números, especialmente durante o período crítico da pandemia do SARSCOV 2. Usamos tanto os preços nominais – representados pelo traço em azul – quanto o valor corrigido usando de referência a calculadora de inflação do Bureau of Labor Statistics (um análogo ao nosso Ministério do Trabalho). Usamos o Consumer Price Index (CPI), que mede o aumento do custo de bens de consumo. Ele lembra um pouco como funciona o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE.
Fazendo a correção pelo CPI, vemos que a série RTX 40 representa uma retração para próximo de um dos menores preços históricos da linha 60. Os 299 dólares atuais da RTX 4060 só não vencem as GTX 560, GTX 960 e GTX 1660, e seus valores na casa dos US$ 260. Mas o balanço mais relevante é comparar o preço, que é quanto você paga, versus a performance, que é o quanto você recebe.
Para avaliarmos a evolução de performance, vamos fazer isto de duas formas diferentes. Uma é olhar para o quanto uma nova geração se sai comparada com o modelo da geração antecessora, fazendo assim um paralelo de melhoria geracional. Na outra vamos comparar o desempenho da série 60 versus o que há de melhor naquela geração para games (performance relativa).
Aqui é importante destacarmos a referência que vamos usar. Os dados são baseados no TechPowerUp GPU Database. Nele, há uma área de performance relativa. Esses dados simplificam bastante coisa, já que há uma relação muito mais complexa na variação de desempenho entre os modelos comparados. Diferentes games vão ser impactados de forma muito diferente por novas tecnologias, frequências mais altas ou chips mais robustos. Mas para tornar o comparativo possível, infelizmente precisamos dessa simplificação. Caso contrário vamos entrar em uma espiral em direção à loucura muito antes de chegar em alguma conclusão útil.
Ok, hora de olhar os dados:
As placas mais baratas (GTX 560, GTX 960 e GTX 1660) também foram momentos de evolução em performance bem pouco empolgantes, com destaque para os tristes 10% de ganho da GTX 960 sobre a antecessora, a GTX 760. A GTX 1660 é um caso a parte já que, de certa forma, ela estava na era de transição das GTX para as RTX, coexistindo inclusive com a RTX 2060 na mesma geração.
Mas repararam em outra coisa? Tirando a GTX 960 e a placa de transição, a GTX 1660, temos as piores evoluções nos dois últimos ciclos, a RTX 3060 e RTX 4060, que não chegam nem a 20%. Da RTX 2060 até a RTX 4060 se passaram 4 anos, e o incremento de performance é de 38%. Colocando em perspectiva, também temos 4 anos separando a GTX 660 da GTX 1060 6GB, o ganho no mesmo período foi de 129%.
Mas vamos avaliar a série 40 por outro prisma: pelo “tamanho da fatia de bolo” que a galera está recebendo nos produtos do segmento mais popular. Todas as empresas fabricantes de chips para consumidores domésticos, como AMD, Nvidia e Intel, usam chips de maior porte para produtos topo de linha, e vão dimensionando recursos para seus modelos mais básicos, fazendo chips parcialmente desabilitados ou mesmo fazendo novos chips com menos estruturas. A gente comenta como é esse processo neste artigo aqui.
Outra forma de avaliar o quanto a Nvidia está oferecendo aos seus consumidores mainstream é comparar o que é o pináculo da tecnologia versus o que chegou a série GeForce 60.
Aqui é bom levantarmos um parênteses. Escolhemos não trazer a linha Titan para a comparação, e focar apenas nos modelos da linha gamer. As Titan são modelos híbridos, com um pézinho na supercomputação e outro no ramo profissional. Em tempos mais recentes a Nvidia meio que “puxou” esse produto para o segmento gamer, vendo que conseguiria vender uma placa de mil dólares e além para os usuários mais entusiastas. Eu poderia apontar no gráfico quando isso aconteceu, mas acredito que ele por si só já deixe evidente.
Felizmente a empresa não corta tecnologias, como suporte a codificação em AV1, o gerador de quadros do DLSS ou a microarquitetura mais moderna. Porém, o chip tem muitas das suas estruturas reduzidas. O que impacta na performance relativa entre o produto final 60 e os modelos 80/80 Ti ou 90/90 Ti, dependendo da geração.
Olhando novamente para o gráfico, agora focando na performance relativa, vemos que a série GeForce 60 já foi muito menos distante do desempenho dos modelos GeForce topo de linha. Na série 600 e 700, já chegamos a ter 70% da performance de uma placa topo de linha no modelo intermediário. Até as RTX 20, ainda tínhamos 60% da performance de uma RTX 2080 Ti disponível em uma RTX 2060. E aí a série RTX 30 mudou isso.
Mas aqui precisamos também olhar para o que estava acontecendo lá no topo. Como já mostramos, os preços dispararam justamente a partir da RTX 30, então isso aqui não é uma coincidência. Olhando para a evolução de performance, temos este processo aqui:
É bastante claro o que está sendo feito desde a série RTX 30: a evolução tecnológica está acontecendo nos componentes topo de linha, mas essas melhorias não estão escalonando na mesma velocidade para modelos mais baratos, que vem em um processo de quase estagnação. Mesmo passado os efeitos mais pesados da pandemia, que influenciam em muito a série RTX 30, a série RTX 40 consolidou essa desigualdade, e até a ampliou.
Esse processo não é isolado, e muito menos a Nvidia está inovando ao fazer isso. A empresa segue uma tendência clara da indústria: os segmentos topo de linha são constantemente empilhados com uma nova camada, criando produtos premium, super premium, ad infinitum. É assim que a Samsung cria o Galaxy S Ultra acima do Galaxy S, ou o iPhone introduz o iPhone Pro, acima do iPhone tradicional. Esses novos produtos são os que efetivamente recebem todas as inovações e, de quebra, estão progressivamente embutindo um salto no preço, muito acima até mesmo da inflação.
A Nvidia fez isso nas gerações mais recentes ao incorporar o que era a série Titan ao mercado gamer, criando uma nova camada de produtos acima da linha 80, depois acima da 80 Ti, depois acima até da 90. E ao longo do processo, o preço de seiscentos dólares deu lugar a mil dólares, depois até dois mil dólares.
Mas e a rival AMD? É bom lembrar que o line-up da empresa é bem mais bagunçado que o GeForce, bem como as Radeon nem mesmo tiveram modelos topo de linha disponíveis ao longo de todo esse comparativo que montamos com a Nvidia. Mas fazendo o recorte apenas nos anos mais recentes, e também com a reintrodução de um produto topo de linha, fica mais ou menos assim:
Ignorando a proximidade excessiva da RX 5600 XT com a topo de linha da geração, a RX 5700 XT, que nem pode ser considerado um modelo topo de linha propriamente dito, vemos que a AMD está um pouco melhor na proporção entre seu produto popular e o modelo topo da linha de cada geração. Ela entrega na casa dos 40,% enquanto a Nvidia está mais próximo dos 30%. Mas como podem ver, as Radeon não estão muito melhores, e a diferença também está piorando.
Olhando novamente para a evolução, e continuando a usar a RX 460 como a proporção para facilitar a comparação com o gráfico das GeForces, novamente vemos que a curva de evolução é bem mais acelerada nos produtos topo de linha do que nos modelos intermediários.
Além da performance em si, as tecnologias que são introduzidas com uma geração de placas de vídeo também é um critério importante para definir se ela é ou não uma boa geração. Aqui entra por exemplo, a aceleração de codificação e decodificação por AV1, algo que é maneiro mas… sendo franco, a Nvidia não faz mais que sua obrigação ao incluir essa atualização.
Eu acho que é possível argumentar que a série RTX 20 e depois a RTX 40 talvez tragam as melhores tecnológicas adicionadas ao consumidor. E não estou falando de Ray Tracing em tempo real. Apesar de ser uma tecnologia com gigantesco potencial, acredito que as séries 20, 30 e 40 estão andando em RT para placas da série 50 poderem correr. O RT é implementado ainda de forma muitas vezes híbrida com a rasterização. E é difícil defender que os games em RT são um claro salto visual absurdo versus os melhores games rodando exclusivamente através da rasterização.
O que eu acho que é um grande benefício ao consumidor é o uso de aprendizado da máquina para ampliar a performance das placas. Isso começa com as RTX 20 e o excelente upscale do DLSS, e ganha nova dimensão com com o gerador de quadros das RTX 40, com o contraintuitivo nome de DLSS 3.
O DLSS na versão 1 e 2 é uma solução extremamente elegante para buscar resoluções maiores. Ao invés de força bruta para renderizar uma porrada de pixels, a IA trabalha e amplia a resolução, podendo gastar o poder computacional da GPU em outras coisas como filtros gráficos mais avançados, o que inclui o Ray Tracing.
O DLSS 3, ou melhor, o Gerador de Quadros, é outra coisa, e por isso não devia ter sido embutido no rolê porque além de não ser uma evolução do DLSS propriamente dito, nem é uma tecnologia de supersampling. Ele cria novos quadros entre os quadros renderizados pela placa de vídeo, algo que incrementa os FPS e entrega mais fluidez na imagem. Isso é tão eficiente que isso consegue melhorar até mesmo um gameplay limitado por processador, e não pela placa de vídeo em si. O impacto em performance é notável:
O salto de performance desse recurso, em nossa análise, faz a RTX 4060 performar parecido com uma RTX 3070Ti, e se o gargalo é de processador, pode até aproximar de uma RTX 3080 ! Então… e se corrigirmos nossos gráficos usando isso de referência?
Fica melhor, não é mesmo? O ganho geracional sai de entediantes 18% para sólidos 61%. Isso faz a série 60 se aproximar da série 80 antecessora, o que a gente já viu no passado, com a GTX 1060 6GB ficando perto de uma GTX 980, e com a RTX 2060 cravando o desempenho de uma GTX 1080. Aqui é bom lembrar que a 2060 também chegou um tanto mais cara. Mas tem um porém.
O Gerador de Quadros do DLSS 3 tem ótimo méritos, mas ele não é o mesmo que ter mais performance via “força bruta” tradicional. Ele tem defeitos, sendo o principal deles algumas imperfeições nos quadros gerados via IA, mas o principal é não trazer o benefício do aumento de FPS para a latência dos comandos, tornando ele menos útil para games competitivos, por exemplo.
Ele é poderosíssimo como argumento de tecnologia adicional em cenários como tornar viável uma boa taxa de quadros em games de campanha com uso completo de Ray Tracing, por exemplo. Mas não pode ser considerado simples e puro aumento de taxa de quadros iguais a mais simples e singela performance de renderização maior.
As Nvidia GeForce RTX 40 tem pontos altos e baixo. Eu acho interessante o que ela trás em termos de tecnologias, com o aprofundamento do uso da Inteligência Artificial ao invés da força bruto de processamento para aumentar a taxa de quadros, até mesmo resolvendo gargalos do processador. O problema é que, para a Nvidia, o Gerador de Quadros parece ser o suficiente para justificar alguns produtos. Com placas como a RTX 4060 Ti conseguindo a proeza de perder para sua antecessora em alguns testes que não envolvem DLSS 3.
Outra questão é que visivelmente a empresa está modificando o seu line-up para aumentar cada vez mais a diferença entre as placas mainstream, as high-end e o topo da linha, de forma a oferecer cada vez menos de sua tecnologia para os modelos mais populares, colocando margens apenas suficientes para torná-las mais potentes que suas antecessoras, e como no caso da RTX 4060 Ti, quase nem isso.
Eu preferi focar em performance, que acho o principal fator, mas como já levantaram o Marcus Sarmanho do PC Facts e também o Peperaio lá do Peperaio Hardware, até quando a gente olha pro material em si, tem uma cara de miséria só de olhar para o porte do chip sendo usado na série 60. Abaixo temos duas placas da Palit, mas uma é Palit GeForce RTX 4060 Dual e a outra é a Palit GeForce RTX 3060 Dual OC. Ainda acho mais relevante a performance que os produtos entregam, mas aqui a estética acaba ilustrando nossa reclamação do artigo como um todo:
Hora de responder a pergunta central do artigo: a série RTX 40 é a pior de todas? A resposta é uma mescla. Em tecnologias, acho a introdução do Gerador de Quadros como uma adição excelente, enquanto o ganho de performance e melhorias como o aumento do cache nível 2 (L2 cache) tiveram impactos relevantes nas placas topo de linha e high-end.
O problema é quando vamos nos aproximando da base da linha. Lá temos ganhos pífios de performance (sem DLSS 3), falta de atualizações relevantes para longevidade dos produtos, como o aumento da quantidade de memória. E para piorar, temos até regressos em especificações técnicas, como a redução da interface de memória em vários produtos.
Essa geração das GeForce 60 concorre de perto com a série 900 como uma das mais entediantes para os gamers mainstream. Sendo advogado da série 40, o Gerador de Quadros é maneiro. Mas a série 900 teve um corte de 20% no preço da 960 versus a 760. Parece que essa geração tá tão sem graça, que nem pra conseguir cravar o título de a pior, ela consegue.