Na manhã da quinta-feira (26), quatro cirurgiões do hospital Dante Pazzanese, de São Paulo, pousaram em São Gonçalo, no Rio, para captar um coração de um doador de cinco anos de idade em morte cerebral. Cerca de três horas depois, o coração estava pousando no heliponto do hospital paulistano. A cirurgia foi bem sucedida e logo mais uma outra criança estará pronta para brincar de coração novo.
Em menos de três meses, 20 pessoas receberam transplante de órgãos, principalmente coração e pulmão, vindos de outros estados e que foram transportados em 11 voos realizados pela TransplantAr. A iniciativa do think tank Instituto Brasileiro de Aviação (IBA) busca engajar proprietários e operadores de aeronaves privadas a doar horas de voo para o transporte aéreo de órgãos e tecidos e de equipes médicas. A iniciativa tem privilegiado corações e pulmões, que são os órgãos mais críticos em termos de transporte.
– O transporte de um coração, assim como de um pulmão, é uma espécie de pit stop de F1 onde cada segundo conta. O coração da criança, mesmo doado, teria sido desperdiçado não fosse a logística aérea pois ele só resiste a 4 horas de isquemia fria, ou seja, fora da circulação sanguínia — diz o empresário Francisco Lyra, presidente do IBA e sócio fundador do Aeroporto Catarina e do GATGRU, o terminal da aviação executiva em Guarulhos.
O prazo de 4 horas começa a contar na hora em que o coração é seccionado do peito do doador até a sutura da última artéria no peito do receptor.
O transporte de coração e pulmão por via aérea sempre foi feito exclusivamente pela Força Aérea Brasileira. Na última década, a FAB transportou cerca de 250 órgãos ao ano, de todos os tipos, não só coração e pulmão. A aviação comercial também faz o transporte voluntário de órgãos. Mas dadas as características da aviação comercial, são transportados apenas os órgãos que podem ficar 12 a 18 horas em isquemia, como fígado, rins, pâncreas e córneas. Juntas, Latam, Gol e Azul transportaram 5.820 órgãos no ano passado.
A TransplantAr foi lançada a um ano, mas começou a atuar efetivamente, com o primeiro voo, em 10 de outubro, após firmar todas as autorizações e convênios.
A fila de espera por órgãos na Central Nacional de Transplantes tem mais de 66 mil pacientes. Metade morre antes da doação. Dentre os que não sobrevivem, 60% são crianças. Uma das metas da TransplantAr é reduzir a taxa de descarte de órgãos viáveis para doação pela metade, de 20% para 10%.
— A cada dia 160 pessoas morrem por dia na fila de um transplante, um número equivalente a um desastre aéreo por dia, porém silencioso — diz Lyra.
Hoje a TransplantAr conta com a ajuda de 15 operadores, que disponibilizam seus jatos e helicópteros para a iniciativa sob demanda. Enquanto esta matéria era escrita, um desses operadores foi acionado para buscar um coração de um jovem de 20 anos que faleceu em um acidente. O dono do avião estava em voo, mas fretou outra aeronave para fazer o atendimento.
– Estamos começando. Transportamos 20 órgãos, sendo 11 corações, em 2 meses. Só um pedido não conseguimos atender por falta de disponibilidade. Precisamos de mais operadores doando voos para salvar mais vidas – afirma Lyra.
O Brasil possui uma das maiores frotas de aeronaves privadas do mundo: são 3,5 mil aeronaves em operação, que passam 80% do tempo estacionadas em um hangar.
Além das horas de voo doadas pelos operadores, a TransplantAr conta ainda com a doação de serviços de atendimento aeroportuário e coordenação de voos em Congonhas, feita pela empresa de táxi aéreo Voar Aviation. A Marcia’s Catering, da esposa de Lyra, doa o serviço de bordo. A mídia social também é voluntária, realizada pela agência Bardeo.