Diz a lenda que, em uma noite qualquer dos anos 1930, um jovem músico negro foi até uma encruzilhada no sul dos Estados Unidos. Lá, teria encontrado o próprio diabo e, em troca de sua alma, recebeu o dom de tocar violão como ninguém. Esse homem era Robert Johnson, e sua história atravessou o tempo envolta em mistério, magia e — se olharmos mais de perto — preconceito.
O homem por trás do mito
Robert Johnson nasceu no Mississippi em 1911, viveu pouco (morreu aos 27 anos), gravou apenas 29 músicas, e mesmo assim se tornou um dos maiores nomes da história do blues. Seu jeito de tocar era tão surpreendente, sua musicalidade tão sofisticada, que muitos na época preferiram acreditar que havia algo “sobrenatural” ali.
Mas o que essa lenda realmente revela?
Por que, ao invés de simplesmente admirar seu talento, inventaram que ele havia feito um pacto com o diabo?
O blues, o racismo e o medo do talento negro
Nos Estados Unidos segregados da década de 1930, a ideia de que um homem negro — pobre, vindo do campo — pudesse atingir um nível artístico tão elevado simplesmente não era aceitável para muitos. A genialidade de Johnson era vista como “ameaçadora”. Era mais fácil dizer que ele estava “possuído”, ou que sua música era “do demônio”, do que reconhecer seu gênio.
Essa não foi uma exceção. Durante muito tempo (e até hoje), artistas negros foram constantemente desvalorizados, perseguidos ou tiveram suas criações apropriadas sem crédito. E tudo isso com o pano de fundo de uma sociedade que associa talento à cor da pele, como se a genialidade tivesse tom definido.
Outros ecos na cultura pop
Infelizmente, a história de Robert Johnson não é única. Veja alguns exemplos:
E se o “pacto com o diabo” fosse uma metáfora?
Hoje, muitas pessoas olham para a história de Robert Johnson de outro jeito. Talvez o tal “pacto” fosse a dor que ele carregava por ser um artista negro num mundo que o recusava. Talvez o preço de sua arte tenha sido a marginalização, o apagamento e a solidão. Talvez o diabo não estivesse numa encruzilhada — mas nas estruturas racistas que tentavam silenciar sua voz.
A importância de contar essas histórias
Quando assistimos a filmes como Sinners, estrelado por Michael B. Jordan, que se inspira diretamente nesse mito, estamos diante de uma oportunidade: repensar as histórias que nos contaram. Reescrever os mitos, dar nome aos verdadeiros gênios e refletir sobre o que ainda precisa mudar.
Contar a história de Robert Johnson com os olhos de hoje é mais do que fazer justiça: é recuperar a alma da música, da arte e de todos os que vieram antes de nós, tocando, cantando e criando — mesmo com o mundo tentando calá-los.