Geralmente, um roteirista escreve a narrativa audiovisual imaginando como seriam os locais das cenas, sem ser esse o ponto principal, e só em seguida o diretor ou o produtor de locação vai a campo em busca de lugares que mais se aproximem dos descritos para começar a filmar a produção. No caso do longa-metragem “No Silêncio”, vencedor da categoria de melhor filme pelo júri popular da Mostra Brasileira Independente de Cinema de Rua, realizada em 28 de outubro, o roteirista e diretor Alexandre Britto deu o pontapé inicial da história a partir do porão de sua casa, na Praia dos Amores, na Barra. Naquele espaço, visualizou uma cena de um possível longa e o colocou no papel, mantendo todos os cenários no bairro.
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“No Silêncio” foi um dos quatro filmes selecionados pelos jurados do festival para concorrer ao prêmio de melhor longa, entre 350 inscritos. A categoria foi a única avaliada pelo público, e Britto e equipe levaram o prêmio com 89,3% dos votos do júri popular.
— A mostra foi muito importante para comprovar a força e a produção aquecida do setor independente. Esta é uma vitória fundamental do movimento, do cinema e da cultura, para criar novas reflexões e pensamentos. Sinto muita honra em ter lançado o filme em um festival independente e ter essa grande realização de sair campeão. É um prêmio para toda a equipe. Todos merecem pelo empenho e pela luta — afirma o diretor.
Britto enaltece ainda o formato de cinema de rua independente, que envolve uma busca por promover o chamado cinema de autor:
— É o cinema fora dos grandes estúdios e dos seus padrões e estruturas. Não há o travamento das grandes produções, o que é ótimo, pois ele subverte através da sua forma autoral, e cria novas linguagens cinematográficas, além de dar oportunidade para novos atores surgirem no mercado.
Foi com o pensamento “e se esse porão fosse a casa de uma diretora de arte, cheia de obras espalhadas pelo cenário?” que Britto elaborou o drama de 11 personagens, todos integrantes de uma equipe de uma série de televisão.
Como 80% das locações de que o filme necessitava deviam ser fixas, a decisão foi filmar dentro ou perto de casa. O canal que dá para o Quebra-mar, no Posto 1, no canto esquerdo da Praia da Barra, e que leva à Praia dos Amores, um cantinho charmoso da orla, protegido do mar aberto e com água calma, é um dos principais cenários de “No silêncio”. Todas as cenas gravadas no deque da casa de Britto têm o canal ao fundo. O rio é protagonista em cenas de chegada de personagens à festa que acontece na casa da diretora de arte Camila — o porão do diretor.
A intenção é fazer uma analogia com a mitologia grega, segundo a qual se deve pagar um valor ao barqueiro Caronte para entrar no Hades, destino das almas dos mortos. Segundo Britto, os personagens de “No silêncio” têm desejos, ambições e atitudes que os levam a aceitar pagar um preço pelo que querem alcançar. Para indicar a metáfora, existe no longa o periódico “Caronte news”.
Um condomínio na Rua Senador Generoso Ponce, a Praia da Barra e ruas no entorno da Praia dos Amores também aparecem no filme.
A produção conta a história do diretor de séries de televisão Eduardo Porto, interpretado por Evandro Miúdo, que é agredido com um soco pelo pai de uma atriz, Glória, sem saber o motivo da violência. Enquanto aguardam pela atriz em uma festa na casa de Camila, máscaras sociais caem e fica evidente que o grupo está preocupado apenas com fama e status. A luz e a movimentação da câmera fazem parecer que o espectador está presente na reunião, sem ser visto.
— É uma experiência tensa e angustiante, como se o público mergulhasse de madrugada em uma festa, sem ser notado, e ouvisse diálogos absurdos — explica Britto.
A história inteira acontece em uma madrugada, passando ao espectador a sensação de que as filmagens foram feitas em apenas um dia. Na verdade, foram 24. Para tal efeito, o longa precisou ser rodado em plano sequência, com cenas de até 12 minutos sem corte. A tarefa demandou 27 atores de teatro experientes, mas que tinham conhecimento do naturalismo do cinema.
Foram dois meses de ensaios com os atores e testes de câmeras, luz, lentes, figurino e maquiagem. As gravações aconteceram em 2018, mas, por conta de pandemia e de dificuldades para conseguir recursos e parcerias, o longa só ficou pronto em março de 2023.
— O circuito independente de cinema tem muitos obstáculos para conseguir recursos e levantar parceiros. Tem que ter muito amor, foco e persistência — finaliza Britto.