
Parece notícia requentada, mas não é. Em 2025, o Brasil bateu um novo recorde na liberação de agrotóxicos para uso agrícola. A apuração exclusiva do Brasil de Fato mostra que foram 725 novos produtos liberados de fevereiro ao início de dezembro deste ano, o que representou um aumento de quase 10% em relação a 2024, quando o país já havia batido o recorde de liberação até aquele momento, com o ingresso de 663 novos produtos no mercado brasileiro.
Jaqueline Andrade, assessora jurídica da organização Terra de Direitos, lembra que o mercado de agrotóxicos no Brasil movimenta bilhões de reais com a colaboração do Estado, enquanto a população amarga as duras consequências dessa política.
“Isso significa que a gente tem mais água contaminada, a gente tem mais alimento contaminado e a gente tem mais pessoas diretamente intoxicadas, seja de forma aguda ou de forma crônica pelos agrotóxicos”, pontua Andrade.

“Nosso país é uma verdadeira lixeira química, nosso país está envenenado. E todas as estruturas estão caminhando em prol do agronegócio, seja em torno de subsídio, seja em torno de lei, seja em torno da permissividade que o governo dá para arrecadação bilionária dessas empresas no ramo dos agrotóxicos, em detrimento do ônus sofrido por toda a sociedade brasileira e dos impactos que isso tem causado”, afirma Andrade, que atribui esse alto volume de liberações à aprovação da Lei 14.785/2023, conhecida como o “pacote do veneno”, que flexibilizou as normas e enfraqueceu o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), no procedimento para o registro dos venenos.
Diante do empoderamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) promovido pela lei, Jakeline Pivato, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, considera que o Mapa se tornou um “cartório de venenos”.
“O aumento contínuo nos registros de agrotóxicos no Brasil mostra que o Mapa virou um verdadeiro cartório de venenos. Basta um carimbo, e está aprovado. É impensável que estes agrotóxicos estejam sendo submetidos de fato aos estudos necessários para garantir a sua segurança. Se estivéssemos tratando de novas substâncias, menos tóxicas e mais eficientes, seria um esforço louvável; porém, o que vemos são novos registros de velhas moléculas, inclusive de glifosato e atrazina, já comprovadamente cancerígenos de acordo com a Organização Mundial da Saúde”, aponta Pivato.
O novo recorde ocorre no mesmo ano em que foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que estabelece diretrizes para políticas públicas na direção de reduzir o uso dessas substâncias químicas tóxicas na agricultura brasileira, o que despertou questionamentos das organizações da sociedade civil.
“O que a gente questiona é: qual é o compromisso do governo brasileiro na redução no uso de agrotóxicos que deveria ser institucionalizada pelo Pronara, que inclusive está sob ameaça do Congresso Nacional de ser revogado”, questiona Andrade, em referência à aprovação, no final de novembro deste ano, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 443/2025, de autoria do deputado federal Rodolfo Nogueira (PL/MS), que busca sustar o decreto presidencial de criação do Pronara.
Por outro lado, Pivato lembra que o programa foi construído com a participação dos movimentos e organizações sociais, que trabalharam pela assinatura do decreto em julho passado, e cobra sua implementação. “É urgente que o Pronara comece a funcionar de fato, e que possa colocar um freio nesta festa do agronegócio”, defende.
Entre os dez agrotóxicos mais utilizados no Brasil, sete são proibidos em outros países por comprovada relação com doenças graves, como distúrbios neurológicos, má-formação fetal, abortos espontâneos e vários tipos de câncer.
Entre os mais utilizados, está a atrazina, herbicida amplamente usado em plantações de cana-de-açúcar, soja e milho, que agora é objeto de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS), que busca a proibição de seu uso e a reavaliação imediata pelos órgãos de controle.
A ação foi movida a partir de estudos que comprovaram a contaminação por atrazina em dois rios importantes que cortam o Mato Grosso do Sul: o rio Dourados e o rio Paraguai. A substância foi identificada em águas superficiais, de chuva e, inclusive, nas torneiras de comunidades ribeirinhas e indígenas.

Procurado pelo Brasil de Fato para comentar os dados recentes de liberação de agrotóxicos, o procurador federal Marco Antonio Delfino, autor da ação no Mato Grosso do Sul, alertou para o fato de que grande parte dos produtos liberados são genéricos, sobre os quais há pouca fiscalização.
“A produção de genéricos não vem acompanhada de um incremento no processo de fiscalização. Tanto dos produtos produzidos quanto dos insumos utilizados”, afirma o procurador, fazendo referência em seguida ao famoso “Agente Laranja”, substância química utilizada pelo exército dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã (1964-1975) e posteriormente aplicada como herbicida para uso agrícola.
“É importante recordar que o Agente Laranja, o principal efeito dele não foi o efeito da junção de dois agrotóxicos, mas justamente os resíduos tóxicos advindos do processo de fabricação. Então, uma liberação massiva de genéricos desacompanhada de uma fiscalização presente pelo Estado brasileiro é muito provavelmente um indício de muitos agrotóxicos com um alto nível de resíduos tóxicos, que vão causar danos tanto à saúde quanto ao meio ambiente”, comenta o procurador.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Agricultura e Pecuária, solicitando a comparação dos dados da pesquisa com os computados pelo ministério, além de uma posição da pasta em relação ao recorde de liberações de agrotóxicos em 2025. O Mapa apenas confirmou o recebimento da demanda, informando que foi encaminhada à área responsável, e que daria retorno assim que possível. No entanto, a resposta não foi recebida até o momento desta publicação. As informações serão agregadas à matéria tão logo sejam recebidas.