
A partir da medicina personalizada e das últimas inovações tecnológicas, as pesquisas na área da terapia genética têm avançado em todo o mundo. Nesse nicho, a maioria dos tratamentos disponíveis (ou em fase de validação) consistem na modificação de um único gene do DNA humano, quando estão associados com as doenças monogênicas.
Hemofilia B, talassemia beta, atrofia muscular espinhal (AME) e alguns tipos de câncer já podem ser tratados com terapia gênica. Só que, hoje, muitos estudos ainda estão em andamento, e esta lista preliminar de doenças tratáveis com modificações no DNA ainda deve aumentar nos próximos anos.
Entre os desafios associados com as terapias genéticas, está o alto custo. Os medicamentos, também conhecidos como produtos para terapia avançada, podem custar milhões de reais. Por exemplo, o preço estimado para o remédio da hemofilia B é de 16,7 milhões de reais.
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“A terapia genética é um termo guarda-chuva para vários tratamentos que buscam modificar a história natural de uma determinada doença, seja ela genética, degenerativa [como câncer] ou inflamatória”, explica Carmino Antônio de Souza, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Comitê de Transplantes de Medula Óssea e Terapia Celular da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), para o Canaltech.
De forma mais simples, o tratamento é capaz de modificar os genes (e o DNA) para, na maioria das vezes, curar totalmente um indivíduo daquela condição. Isso só foi possível a partir do mapeamento genético, algo muito recente na história da medicina, que permitiu que a ciência conhecesse a grande maioria dos genes e as suas funções, comenta o pesquisador Souza. Dependendo do gene que você modifica, você causa um efeito específico no corpo.
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Só que é sempre importante lembrar que a terapia genética é um termo bastante genérico. Para ilustrar, é como falar em tratamento para doenças feito com pílulas. Existem diferentes pílulas, cada uma para uma condição específica, com diferentes níveis de eficácia.
Curiosidade: os termos terapia genética e terapia gênica são sinônimos, já que descrevem a mesma coisa, ou seja, procedimentos que buscam corrigir, modificar ou adicionar genes no DNA.
Nesse processo, existem três finalidades mais comuns no uso da terapia gênica, segundo a agência Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos:
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Fugindo do entendimento tradicional da terapia genética, alguns cientistas trabalham em uma linha de pesquisa menos “radical”. No lugar de modificar o gene, a ideia é estimular ou reduzir a atividade de genes específicos, através da manipulação genética. Estudos com este conceito são feitos em busca de tratamentos para as doenças de Alzheimer, Parkinson e Huntington — as três são, até o momento, incuráveis pela ciência.
Depois de abordarmos os objetivos e o alvo de ação, é hora de entender como a terapia genética é aplicada no paciente. Para isso, existem duas alternativas mais comuns:
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Em ambos os casos, é necessário que a carga genética — como o novo gene que deve substituir o defeituoso — seja empacotada num recipiente, conhecido como vetor. É este que irá levar o gene até o local indicado no organismo e introduzirá o novo material genético.
Na maioria das vezes, o vetor é um vírus editado geneticamente, como os adenovírus. Como ele passou pelo processo de edição, não consegue desencadear nenhuma doença e nem coloca a saúde do paciente em risco. A sua única função é modificar o DNA do indivíduo em um local específico, através da técnica de DNA recombinante.
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Outras formas de editar o DNA podem ser pensadas também, através dos plasmídeos, que são pequenos segmentos de DNA, ou ainda de vetores nanoestruturados, também conhecidos como polímeros. O uso de cada um deles depende de qual doença se quer tratar e da forma mais eficaz para fazer isso.
Como já adiantamos, a lista de doenças que podem ser tratadas com a terapia genética ainda é pequena. Entre as alternativas mais conhecidas, considerando que a realização ou não do procedimento varia de acordo com o entendimento da agência reguladora, estão:
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“Atualmente, há mais de 20 produtos de terapia gênica aprovados no mundo para tratamento de uma ampla gama de doenças, como cânceres, doenças oculares, musculares e neurológicas”, afirma a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota. “Essas terapias gênicas são o produto de mais de cinco décadas de intensas pesquisas científicas”, acrescenta.
Além do uso da terapia para o tratamento de doenças genéticas, outro braço de pesquisa usa a técnica para o tratamento oncológico, através da CAR-T Cell. Nesse caso, ocorre apenas a edição genética das células do sistema imune e, por isso, é apelidada de “terapia genética baseada em células”, sem modificar propriamente o DNA do indivíduo.
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A ciência tem se dedicado há décadas na compreensão do DNA humano, o que tem gerado inúmeros frutos, como as primeiras técnicas de edição. No entanto, os desdobramentos e impactos são descobertos gradativamente, o que limita bastante o uso da terapia genética.
Hoje, “a grande massa de tratamentos ainda não é feita com a terapia gênica. Ela é uma possibilidade para o futuro”, comenta o professor da Unicamp Souza. Inclusive, não é apenas a questão do custo que impede a sua popularização. Ainda mais quando se considera que o conhecimento genético é muito contemporâneo e que “não avançamos tanto no tempo para que tenhamos uma terapia genética consolidada [para cada tipo de doença]”, completa.
Neste ponto, alguns tipos de terapia estão mais avançadas e consolidadas que outros. São os casos das terapias contra o câncer, a CAR-T, e contra algumas doenças raras, como a AME. Embora a expectativa seja alta por uma explosão de tratamentos do tipo, é sempre necessário lembrar, segundo Souza, que “o tempo da ciência [e da validação adequada] é um tempo que a gente não consegue controlar e, às vezes, é maior do que gostaríamos que fosse”.
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Sem o rigor científico, o Instituto Nacional da Saúde (NIH), nos EUA, informa que “os riscos potenciais podem incluir certos tipos de câncer, reações alérgicas ou danos a órgãos ou tecidos”, além de inúmeros efeitos adversos. Tanto é que, hoje, a maioria das pessoas, na verdade, participa de ensaios clínicos usando essa estratégia, após tentar uma ampla gama de tratamentos convencionais que não funcionaram.
Vale dizer que terapia gênica não é a mesma coisa que transgenia. Os termos causam confusão por serem técnicas que manipulam genes, mas seus propósitos são diferentes.
Enquanto a terapia gênica se propõe a editar o DNA das células humanas para o próprio organismo humano, na transgenia, existe a alteração do código genético de uma espécie para posterior introdução daquela sequência de genes alterados em outra. Isso faz com que a espécie receptora, por meio da engenharia genética, ganhe novas características. É o mesmo que dizer que um alimento é geneticamente modificado, a exemplo de grão de soja e milho — os famosos transgênicos.
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