Há 40 anos, em maio de 1983, pesquisadores de instituições científicas dos Estados Unidos e da França conseguiram isolar o vírus da imunodeficiência humana, o HIV. O vírus é o causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a aids, doença que compromete o sistema imunológico.
Nessas quatro décadas, tanto o tratamento para a aids — que ainda não tem cura — quanto as formas de detectar o HIV no organismo evoluíram a ponto de a presença do vírus ser revelada com dispositivos de testes rápidos, a partir de uma gota de sangue ou fluido oral, como a saliva.
Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pesquisadores se dedicam a aprimorar os testes rápidos para o diagnóstico da doença que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), acometia, em 2021, cerca de 38,4 milhões de pessoas em todo o mundo. Dessas, 5,9 milhões não sabiam que estavam infectadas.
Uma dessas pesquisas realizadas na UFU é apresentada na tese Biossensores eletroquímicos para detecção de HIV, de Anna Clara Rios Moço, defendida no início do ano, em seu doutoramento no Programa de Pós-graduação em Genética e Bioquímica da UFU.
Nesta entrevista, a cientista – que hoje está no pós-doutorado na UFU – fala sobre o trabalho desenvolvido e o que ele tem de diferente em relação a pesquisas similares. Confira:
Como você explicaria, para não cientistas, a pesquisa desenvolvida?
A pesquisa envolveu a produção de dispositivo biossensor para a detecção rápida e de baixo custo do vírus HIV em amostra de plasma (soro) sanguíneo. Um exemplo amplamente conhecido de biossensor é o glicosímetro, que é de fácil acesso à população e utilizado rotineiramente para o monitoramento dos níveis de glicose no sangue.Um outro exemplo de biossensor que pode ser encontrado no mercado é para o diagnóstico da covid-19. Um teste rápido, simples e que pode ser feito sem a necessidade de mão-de-obra especializada.
Na pesquisa desenvolvida, eletrodos foram impressos na forma de tiras e modificados com nanomaterial e um fragmento de DNA altamente específico para o reconhecimento do material genético (RNA) do HIV no plasma. Um teste comparável ao RT-PCR [técnica utilizada para detecção de doenças genéticas, patógenos virais e bacterianos], que é considerado padrão ouro para vários biomarcadores usados rotineiramente na clínica.
O biossensor agiliza o diagnóstico do HIV? Qual a importância específica para isso?
O biossensor agiliza muito o diagnóstico, visto que o tempo de resposta é menor que 20 minutos. O tipo de molécula a ser detectada também é muito importante devido à janela imunológica da doença. Os testes atuais normalmente detectam os anticorpos, que aparecem depois de semanas de infecção. O material genético do vírus, que só é detectável pela RT-PCR, aparece no sangue cerca de 10 dias após a infecção. Assim, desenvolvemos biossensores que permitem o diagnóstico precoce da doença e permite que as pessoas infectadas iniciem a terapia com antirretrovirais o quanto antes.
Outro ponto importante é o monitoramento da carga viral. As pessoas que vivem com HIV devem sempre monitorar a quantidade do vírus no sangue para analisar a eficiência da terapia e possíveis ajustes. Esse monitoramento é realizado pela RT-PCR e, no nosso caso, conseguimos desenvolver um biossensor qualitativo (ele indica se há ou não a presença de material genético do vírus) e quantitativo (indica o quanto de vírus que há na amostra), permitindo, além da detecção, o monitoramento da carga viral.
O que essa pesquisa realizada na UFU tem de diferente de outros estudos sobre biossensores para testes de HIV?
Os biossensores desenvolvidos no trabalho permitem a detecção de material genético do HIV de uma maneira mais rápida, barata e sensível, quando comparados aos testes comerciais. A detecção de material genético é realizada por RT-PCR e as opções rápidas detectam apenas anticorpos. Aqui conseguimos uma sensibilidade melhor do que os métodos convencionais, utilizando materiais de baixo custo. Além disso, os eletrodos foram desenvolvidos pelo próprio grupo de pesquisa do Lafip-Biosens [Laboratório de Filmes Poliméricos e Nanotecnologia e Laboratório de Biossensores da UFU].
Além do custo menor, quais são as outras vantagens dos biossensores?
Os biossensores têm o potencial de atingir sensibilidade comparável ou melhor que os métodos convencionais. Além disso, a possibilidade de utilização em in house ou point-of-care (laboratórios de análises clínicas, consultórios, bancos de sangue, hospitais, farmácias) é outro atrativo. Os métodos tradicionais requerem equipamentos de grande porte, custo elevado, necessidade de mão-de-obra especializada, e são demorados. Os biossensores são desenvolvidos com objetivo de sanar essas lacunas e visa ao diagnóstico e detecção de outras biomoléculas de forma rápida, no local que esse diagnóstico é necessário e apresentando confiabilidade e robustez.
Os biossensores seriam vendidos em farmácias e manipulados pelos próprios usuários ou seriam de uso exclusivo de profissionais da área de saúde?
Esse tipo de diagnóstico, como foi desenvolvido, deve ser utilizado em laboratórios, pois necessitamos da separação do plasma do sangue. Porém, o objetivo é otimizar o processo utilizando sangue e chegar às prateleiras das farmácias.
Como são feitos os testes para diagnóstico de HIV hoje?
Existem os testes rápidos, como os kits ou dispositivos biossensores, que são utilizados em point of care, tais como farmácias, laboratórios de análises clínicas, dentre outros. No entanto, não apresentam sensibilidade comparável aos diagnósticos “padrão ouro” que utilizam técnicas conhecidas, tais como o ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA, Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) que detectam anticorpos no soro ou plasma e o método de detecção de materiais genéticos que utiliza a técnica de reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR, do inglês Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction).
Qual é o custo médio de um teste atual e de um teste utilizando biossensores eletroquímicos?
Os testes rápidos custam entre R$ 50,00 a R$ 80,00, porém detectam apenas anticorpos. O exame ELISA custa entre R$ 100,00 a R$ 200,00 e o RT-PCR, que apresenta custo mais elevado, entre R$ 300,00 a R$ 500,00.No caso dos testes que utilizam os biossensores eletroquímicos com material genético, comparáveis à técnica de RT-PCR, utiliza-se o aparelho para fazer a medida, com custo estimado em R$ 100,00 e longa vida – como o aparelho medidor de glicose. Para uso rotineiro é necessário adquirir os eletrodos impressos (tiras) sensibilizados com o material genético desenvolvidos no trabalho, que custam cerca de R$ 0,90.
O resultado da pesquisa foi publicado em forma de artigo? Onde?
Sim, o artigo sobre a construção e aplicação de eletrodos impressos de tinta de carbono para detecção e quantificação do HIV foi publicado na revista Microchemical sob o nome de Carbon ink-based electrodes modified with nanocomposite as a platform for electrochemical detection of HIV RNA. Outro artigo utilizando o mesmo eletrodo e novos nanomateriais está em processo de submissão em outra revista.
Quem participou da pesquisa e quando ela teve início?
A pesquisa teve participação dos membros do Lafip-Biosens, que é uma equipe multidisciplinar, e do Instituto Adolf Lutz (SP) que fornece as amostras de material genético do HIV. A pesquisa teve início em 2018, porém o eletrodo com tinta de carbono, aplicado nesse trabalho, foi desenvolvido e patenteado previamente pelo ex-aluno de mestrado do Instituto de Química, João Afonso [da Silva Neto]. Do Instituto de Química, houve a participação de Luiz F. G. Luz (atual doutorando) e, do Instituto de Biotecnologia, participaram: José M. R. Flauzino, Pedro H. Guedes (doutorando), Dayane D. de Moraes (doutoranda), Jéssica G. Brussasco (doutoranda) e o aluno de mestrado José A. L. Gomide. Do Instituto Adolf Lutz, tivemos parceria com Márcia M. C. N. Soares. A tese foi orientada por Ana Graci Brito Madurro, do Instituto de Biotecnologia (IBTEC) e coorientada por João Marcos Madurro, do Instituto de Química (IQ).
A pesquisa foi contemplada com financiamento?
Sim, fui bolsista Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais] e temos financiamento de outros projetos da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior] e CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
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