Protestos nas Filipinas vão continuar, afirma pesquisadora

A atual onda de mobilizações sociais nas Filipinas é a mais intensa em uma década, impulsionada pelo impacto do tufão Kalmaegi e pelo escândalo de corrupção em obras de contenção de enchentes. “É muito importante que o público brasileiro e latino-americano conheça o que está acontecendo nas Filipinas, porque não é um problema isolado. Há uma corrupção massiva no governo, envolvendo bilhões de dólares, especialmente nos projetos de controle de enchentes”, afirmou Anna Rosario Malindog-Uy, pesquisadora e professora de Ciência Política e Relações Internacionais, durante entrevista concedida ao Brasil de Fato na Universidade de Pequim, onde realiza seu pós-doutorado.

“Esses projetos, muitos deles, sequer existem. E foi a própria natureza, por meio das enchentes e tufões, que expôs a corrupção”, detalha a professora, lembrando que a crise também envolve violações de direitos humanos.

“O secretário do Departamento de Interior e Governo Local afirmou publicamente que qualquer um que pedir a renúncia do presidente Marcos Jr. será acusado de sedição. Isso é uma violação da Constituição de 1987, que garante liberdade de expressão e de reunião”, completa Malindog-Uy.

Ela alerta ainda para o controle estratégico dos Estados Unidos sobre a política filipina: “A política externa está totalmente inclinada aos Estados Unidos, com bases militares estratégicas, incluindo nove novas bases americanas em território filipino. A questão não é defesa nacional, mas interesses estratégicos dos EUA. Se houver uma escalada militar sobre Taiwan, nosso país será usado como proxy.”

Aquecimento Global e desastre natural

A tragédia causada pelo tufão Kalmaegi evidenciou não apenas os efeitos da mudança climática, mas também falhas estruturais e corrupção no governo sendo o estopim da crise que vive as Filipinas. O tufão deixou pelo menos 140 mortos e destruiu milhares de residências, segundo o Philippine National Disaster Risk Reduction and Management Council (NDRRMC).

A professora detalha como eventos climáticos extremos ampliam a vulnerabilidade das Filipinas: “O país é constantemente inundado por tempestades e tufões fortes. Só agora experimentamos tufões e tempestades realmente intensos. É justamente por causa da mudança climática. O problema é muito grave. Não é apenas um problema das Filipinas ou do Sudeste Asiático; é um problema global.”

E ressalta: “As Filipinas, como país que sofre com inúmeros tufões, precisam enfrentar este problema e mitigar seus impactos para possibilitar o desenvolvimento sustentável. No entanto, o dinheiro destinado à resiliência climática e à mitigação dos impactos é desviado ou corrompido. Por trás dessa corrupção nos projetos de controle de enchentes, há o presidente, sua equipe e todo o governo.”

Escândalos em obras públicas e má gestão

O descontentamento da população não se restringe à tragédia natural. Os protestos refletem revolta contra a corrupção em projetos de infraestrutura, que deixaram comunidades vulneráveis e pressionam o governo a prestar contas.

Entre 2022 e 2025, o orçamento destinado a essas obras ultrapassou US$ 9 bilhões, mas muitas não foram concluídas ou foram executadas com materiais de baixa qualidade. Autoridades já investigam quase 10 mil obras, incluindo diques, sistemas de drenagem e contenções de rios.

“A magnitude da corrupção é enorme, envolvendo bilhões de dólares e implicando o próprio presidente, o filho no Congresso, a primeira-dama e todo o gabinete, especialmente em obras públicas essenciais como o controle de enchentes. Muitas dessas obras nem existem de fato, são projetos fantasmas. E a população está pagando com vidas e destruição de casas”, detalha Malindog-Uy.

Ela ainda destaca que a má gestão vai além das obras de infraestrutura: “Também existem problemas sérios em setores como saúde e agricultura. Projetos de estradas rurais e programas agrícolas que deveriam beneficiar milhões de pessoas foram abandonados ou mal executados. A combinação de corrupção e desastres naturais criaram uma situação insustentável.”

Segundo a pesquisadora, esses fatores alimentam a demanda por mudanças na liderança: “O povo filipino está cansado. Não se trata apenas de protestar contra um desastre natural, mas de exigir responsabilidade de um governo que repetidamente falhou em proteger suas comunidades.”

Pessoas são resgatadas em Tuguegarao, na província de Cagayan, ao norte de Manila, após as fortes chuvas provocadas pelo tufão Fung-wong, em 11 de novembro de 2025
Pessoas são resgatadas em Tuguegarao, na província de Cagayan, ao norte de Manila, após as fortes chuvas provocadas por tufão, em 11 de novembro de 2025 | Crédito: John Dimain / AFP

Direitos humanos e liberdade de expressão

As manifestações também evidenciam graves violações de direitos humanos, segundo Malindog-Uy. “Esta é uma questão de direitos humanos e de violação dos direitos fundamentais dos filipinos conforme a Constituição de 1987. O secretário do Departamento de Interior e Governo Local declarou publicamente que quem pedisse a renúncia de Marcos Jr. poderia ser acusado de sedição ou insurreição.”

“O que é preocupante é que esses cidadãos estão exercendo seu direito constitucional à liberdade de expressão e à reunião pacífica. A Constituição deixa claro que os filipinos podem expressar oposição ao governo, especialmente quando há má gestão”, ela reforça.

Malindog-Uy também destaca normas do direito internacional: “Além da Constituição, a Convenção da ONU [Organização das Nações Unidas] e outros tratados internacionais sobre direitos humanos, dos quais as Filipinas são signatárias, protegem esses direitos. A repressão a manifestações pacíficas não é apenas ilegal, mas uma violação clara das obrigações do país em matéria de direitos humanos.”

Mais de 200 manifestantes — incluindo estudantes e menores de idade — foram presos por participarem de atos pacíficos ou por expressarem críticas ao presidente Marcos Jr. “Muitos ficaram dias sem contato com família ou assistência legal, o que constitui uma violação direta dos direitos garantidos pela Constituição”, afirma. Para a pesquisadora, o uso da acusação de sedição para intimidar opositores demonstra “uma tentativa clara de criminalizar o dissenso e enfraquecer a mobilização popular”.

Influência dos EUA na crise

A influência dos Estados Unidos na política filipina é apontada por Malindog-Uy como um dos fatores centrais da crise atual. Segundo ela, Washington ampliou significativamente sua presença militar no país nos últimos anos, com nove novas bases militares operando em pontos estratégicos do território filipino. “Essa não é uma aliança voltada à defesa nacional”, afirma a pesquisadora. “É parte da projeção militar dos EUA no Indo-Pacífico, especialmente diante das tensões em Taiwan.” Para ela, essa presença transforma as Filipinas em um ponto avançado militar, colocando o país em risco de ser usado como palco de conflito entre grandes potências e aprofundando a percepção popular de que o governo atual perdeu autonomia em sua política externa.

Ela detalha a vulnerabilidade estratégica do país: “Estamos sendo militarizados pelos Estados Unidos, com grande presença de tropas e equipamentos. O sistema de mísseis Typhoon está localizado no norte do país, apontando para Taiwan. Em caso de conflito, nosso território seria usado em uma guerra que não é nossa.”

Comparando com conflitos globais, Malindog-Uy alerta: “Se olharmos para a Ucrânia, vemos um país que se tornou campo de batalha em uma rivalidade estratégica. Nas Filipinas, podemos estar caminhando para algo semelhante se não houver mudança de liderança. Precisamos de uma política externa independente e neutra que proteja nossos interesses.”

Protestos continuarão até a queda do governo

O clamor por uma mudança de liderança na população é crescente e reflete a insatisfação generalizada com a crise climática, a corrupção sistemática, as violações de direitos humanos e a interferência externa dos EUA.

“Há muitos filipinos clamando por uma mudança de liderança. Isso significa que queremos que o presidente Marcos Jr. renuncie, de maneira graciosa e pacífica, permitindo que o país avance”, afirma a pesquisadora.

Ela ressalta a importância de uma transição ordenada, especialmente com as Filipinas assumindo a presidência da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) em 2026. “Queremos uma Filipinas renovada, com boa imagem pública. No momento, internacionalmente, nossa imagem não é boa: corrupção massiva, presidente com dependência de drogas e política externa controlada pelos Estados Unidos.”

Além da corrupção e das crises políticas, a população filipina também se preocupa com a questão da dependência de drogas do presidente Marcos Jr. Segundo Anna Rosario, essa situação compromete a credibilidade e a capacidade de governança do país: “O presidente enfrenta problemas relacionados ao uso de cocaína, o que afeta sua tomada de decisões e o funcionamento do governo. É uma questão grave, porque líderes dependentes de drogas não conseguem administrar adequadamente crises complexas, como desastres naturais e políticas públicas essenciais.”

Malindog-Uy alerta que a transição não é garantida: “Ainda não é certo se teremos um futuro mais promissor, porque Marcos Jr. permanece no poder e pode continuar além de 2028. Mas a única forma de garantir independência, proteção da soberania e desenvolvimento sustentável é por meio de uma mudança de liderança.” A pesquisadora finaliza: “Os protestos vão continuar até que essa mudança aconteça.”

Posição do governo

O governo do presidente Ferdinand Marcos Jr. afirmou publicamente que está atento às preocupações da população e conduz investigações formais sobre as alegações de corrupção, especialmente nos projetos de contenção de enchentes que desencadearam os protestos.

Autoridades governamentais disseram que Marcos está “monitorando” as mobilizações e que apoia o direito a protestos pacíficos, desde que não haja violência, ressaltando que a administração tem responsabilidade de manter a ordem pública e evitar que “agitadores” causem tumulto.

O presidente também criou uma comissão independente para apurar irregularidades em obras de infraestrutura e prometeu que as pessoas envolvidas nas alegadas fraudes serão processadas antes do fim do ano, enfatizando que o governo seguirá o devido processo legal para apresentar provas e condenações nos tribunais em vez de respostas imediatas impulsivas.

Sobre a suspeito de uso de drogas, o governo rejeitou as acusações como sem base e de “movimento desesperado” da oposição, negando que o presidente ou sua família usem drogas. Autoridades citaram testes anteriores que teriam dado negativo e rejeitaram a alegação como parte de uma disputa política interna.

Autor

  • Redação Uberlândia no Foco

    O Uberlândia no Foco é um portal de notícias localizado na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, que tem como objetivo informar a população sobre os acontecimentos importantes da região do Triângulo Mineiro e do país. Fundado por Rafael Patrici Nazar e Sabrina Justino Fernandes, o portal busca ser referência para aqueles que buscam informações precisas e atualizadas sobre a cidade e a região. Nosso objetivo é cobrir uma ampla gama de assuntos, incluindo política, economia, saúde, educação, cultura, entre outros. Além disso, visamos abordar também, questões relevantes a nível nacional, garantindo assim que seus leitores estejam sempre informados sobre os acontecimentos mais importantes do país. Nossa equipe é altamente capacitada e dedicada a fornecer informações precisas e confiáveis aos seus leitores. Eles trabalham incansavelmente para garantir que as notícias sejam atualizadas e verificadas antes de serem publicadas no portal. Buscamos oferecer aos leitores uma plataforma interativa, na qual possam compartilhar suas opiniões e participar de debates sobre os assuntos mais importantes da cidade e da região. Isso torna o portal uma plataforma democrática, onde todas as vozes podem ser ouvidas e valorizadas. Não deixe de nos seguir para ficar por dentro das últimas atualizações e notícias relevantes. Juntos, temos uma grande caminhada pela frente.

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