Racismo ambiental é ‘sobreposição de crises’ e exige orçamento com recorte racial, diz diretora da Iniciativa Negra — Brasil de Fato

A crise climática amplia desigualdades e “se sobrepõe” a problemas históricos de moradia, saneamento e violência de Estado nas periferias, avalia Natália Oliveira, cofundadora e diretora executiva da Iniciativa Negra. Em entrevista ao Manual de Sobrevivência, podcast do Brasil de Fato, ela defendeu investimentos racializados em infraestrutura urbana, licenciamento ambiental com recorte racial e proteção a defensores de direitos humanos e da natureza. “Não é uma nova crise, é uma sobreposição de crises que sempre vai ficar mais acentuada naqueles que sempre têm menos”, afirma.

Segundo Oliveira, ondas de calor aliadas a políticas públicas precárias atingem mais quem já tem pouco, o chamado racismo ambiental. “As pessoas recorrem a ar-condicionado, ventilador… isso é item de luxo e aumenta a conta da energia elétrica”, observa. Ao mesmo tempo, a distância entre a moradia e o trabalho impõe um desgaste adicional. “As pessoas se deslocam às vezes três, quatro horas em transporte público super apertado. Com o calor, isso fica muito pior”, pontua.

Ela também alerta para a falta de qualidade do fornecimento de água nas regiões mais vulneráveis do país e o risco de encarecimento das contas com a escassez. “A água que consumimos hoje, ainda que potável, tem um alto teor de cloro. Com esse elemento vital cada vez mais escasso, a tendência é que também esse item fique cada vez mais caro”, indica.

Na avaliação da diretora, decisões de política urbana e privatizações em diferentes esferas agravam o quadro de desigualdade em São Paulo. No âmbito estadual, ela cita o metrô, “com queda na segurança dos passageiros”, e a venda da Sabesp. “A Sabesp foi vendida pelo [governador] Tarcísio de Freitas a preço ridículo e que tem entregado também água de péssima qualidade nas periferias”, critica. Já na esfera municipal, aponta o desmonte de políticas cicloviárias iniciado na gestão de João Doria.

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Para Oliveira, a falta de escuta e de compromisso político agrava ainda mais o cenário. Ela critica conselhos públicos que, para ela, pouco decidem. “Eu já participei bastante de conselhos. Hoje eu não estou em nenhum, porque eu cansei de dar conselhos, gastar meu tempo”, admite. Para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) em Belém (PA), ela cobra a popularização do debate climático. “Que movimentos o Brasil fez para que esse debate se popularizasse?”, questiona.

Sobre as responsabilidades do governo federal, a especialista resume o que deveria ser priorizado: “Investimento racializado em infraestrutura, limpeza urbana, drenagem, saneamento básico, arborização, moradia segura”, além de “licenciamento e avaliação de impacto com recorte racial explícito, com mecanismos que identifiquem claramente quem ganha e quem perde”. Ela também pede a proteção a defensores e povos tradicionais. “O Brasil é um país violentíssimo para ativistas de direitos humanos. Esse povo precisa ser cuidado”, sugere.

‘Intersecção’: drogas, terra e clima

A Iniciativa Negra tem o projeto Intersecção, que visa conectar o direito à terra, a justiça climática e a política de drogas. “O Brasil está em um lugar estratégico da América Latina na cadeia produtiva de cocaína, que é o ouro branco da América”, diz Oliveira. Com laboratórios e rotas de exportação, a disputa por território se intensifica, afirma a diretora. “Isso vai aumentando a violência. Junto com a grilagem, vira uma grande bomba, um consórcio criminoso”, denuncia.

Para ela, a violência não é uma “anomalia” de comportamento, mas um efeito econômico. “Não é que as ações estão mais violentas. Essa violência tem aparecido com intensidade, porque tem uma forte disputa e reorganização dessa indústria internacional no Brasil”, explica.

Apesar disso, Oliveira rejeita o pessimismo. “Eu não sou desesperançosa”, afirma. Ela acredita que o acesso à universidade e a produção de conhecimento periférico podem fazer a diferença. “Essas pessoas produzem soluções diversas”, ressalta. Para ela, “a solidariedade não é só um valor moral, é uma estratégia de sobrevivência.”

O podcast Manual de Sobrevivência tem novos episódios toda segunda-feira, às 11 horas da manhã. É possível conferir nas principais plataformas de áudio, como Spotify, YouTube Music e Amazon Music/Audible.

Autor

  • Redação Uberlândia no Foco

    O Uberlândia no Foco é um portal de notícias localizado na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, que tem como objetivo informar a população sobre os acontecimentos importantes da região do Triângulo Mineiro e do país. Fundado por Rafael Patrici Nazar e Sabrina Justino Fernandes, o portal busca ser referência para aqueles que buscam informações precisas e atualizadas sobre a cidade e a região. Nosso objetivo é cobrir uma ampla gama de assuntos, incluindo política, economia, saúde, educação, cultura, entre outros. Além disso, visamos abordar também, questões relevantes a nível nacional, garantindo assim que seus leitores estejam sempre informados sobre os acontecimentos mais importantes do país. Nossa equipe é altamente capacitada e dedicada a fornecer informações precisas e confiáveis aos seus leitores. Eles trabalham incansavelmente para garantir que as notícias sejam atualizadas e verificadas antes de serem publicadas no portal. Buscamos oferecer aos leitores uma plataforma interativa, na qual possam compartilhar suas opiniões e participar de debates sobre os assuntos mais importantes da cidade e da região. Isso torna o portal uma plataforma democrática, onde todas as vozes podem ser ouvidas e valorizadas. Não deixe de nos seguir para ficar por dentro das últimas atualizações e notícias relevantes. Juntos, temos uma grande caminhada pela frente.

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