Risco à democracia no COB e governança no esporte brasileiro

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos aconteceram há pouco tempo. Eles mostraram uma das facetas do esporte brasileiro: o esporte de alto rendimento como patrimônio cultural do país. Vibramos e choramos com nossos atletas – essas pessoas que representam nosso país nessa celebração mundial. Toda a nação torceu pelo Brasil.

Além dos atletas, as entidades esportivas são os pilares que sustentam todo o nosso esporte. Após este grande evento, iniciou-se o processo eleitoral em muitas entidades, que escolhem seus dirigentes por votação. Agora, em especial, acontecerá a eleição no Comitê Olímpico do Brasil (COB), fato que tem gerado preocupação no setor.

Desde 2013 – após uma mobilização de atletas, empresários, ONGs, jornalistas e entidades do esporte – houve a aprovação do artigo 18-A da Lei Pelé, que implementou regras de governança, integridade e transparência, em consonância com as melhores práticas de gestão. Entre as disposições, foram estabelecidos a necessidade de prestação de contas; a transparência dos documentos internos das entidades esportivas; o voto dos atletas na escolha dos seus dirigentes; a participação de atletas nos órgãos internos de decisão; e o limite de dois mandatos para dirigentes esportivos.

Para isso, criou-se a governança sob a liderança do Ministério do Esporte, que passou a emitir uma certificação para as entidades cumpridoras a respeito dos requisitos para o recebimento de recursos públicos.

Esse esforço reuniu diversos atores já que, anos atrás, pouco se falava sobre governança no esporte. A falta de democratização interna, a falta de transparência e a falta de governança eram as causas de inúmeros escândalos de corrupção, denúncias, desmandos internos e a ausência de resultados. Esses elementos afetam qualquer organização ou setor na sociedade – e não seria diferente no esporte.

Havia uma prática que impunha dificuldades: o mandato ilimitado de dirigentes esportivos. Alguns chegavam a permanecer por mais de trinta anos no poder. Por isso, o processo eleitoral das entidades esportivas é um tema que sempre mereceu atenção e cuidado. A garantia dos votos dos atletas foi um grande passo para a oxigenação das entidades esportivas – e as exigências de governança e transparência estão alinhadas com as melhores práticas, tanto do setor privado quanto público.

Assim, a legislação adentrou nesse tema de forma precisa, atrelando os recursos públicos – incluindo loterias, como claramente disposto no artigo 36 da Lei Geral do Esporte – ao respeito a essas regras, e elas se mostraram benéficas ao esporte brasileiro. Desde então, os atletas têm sido fundamentais na decisão da escolha dos dirigentes esportivos e nas melhorias de governança e gestão que vêm sendo conquistadas. Os dados do último Rating Integra, aplicado em 2021, provam essa melhoria nos indicadores de governança, integridade e transparência das associações esportivas.

Tudo isso teve o apoio da atual gestão do COB. Até o presente momento.

Dessa maneira, o setor recebeu com surpresa a candidatura do atual presidente – cujo legado de consolidação e respeito às regras precisa ser reconhecido – na sua decisão pessoal de disputar o terceiro mandato. A desculpa encontrada foi a de que o atual presidente foi vice de Carlos Arthur Nuzman, e isso não contaria como mandato. Vale lembrar que o atual presidente assumiu o cargo na saída do antecessor, concorrendo e ganhando a reeleição. Segundo sua justificativa, a nova candidatura seria um segundo e não terceiro mandato.

Há tempos o Ministério do Esporte foi consultado pelo setor sobre este assunto e foi claro em seu posicionamento sobre tal impossibilidade, entendendo que vice-presidente que assume cargo do titular exerce um mandato, podendo somente se candidatar a uma reeleição. O tema é algo consolidado em pareceres do próprio Ministério, mas também da Advocaci-Geral da União, da Controladoria-Geral da União e em decisões judiciais, estando inclusive em linha com as regras de reeleições no Poder Público.

E esse entendimento foi acatado por inúmeras entidades esportivas. Por isso, essa ação, vinda da liderança do órgão máximo do esporte, torna-a tão triste quanto grave. O respeito às regras, já aceitas pelo próprio COB, é o maior legado que a sua liderança pode deixar, ao não se deixar levar por razões circunstanciais e que podem prejudicar a reputação da própria entidade e de todo setor.

A violação dessa medida acarreta em grande insegurança jurídica ao esporte nacional, com um possível efeito cascata, num sinal claro de retrocesso e um risco aos demais stakeholders do esporte (atletas, outras confederações e patrocinadores).

Caso haja essa reeleição, o próprio governo será obrigado a suspender os repasses públicos, incluindo o das loterias.

O esporte brasileiro não precisa desse tipo de atitude neste momento – e em nenhum outro. Precisa seguir a boa prática e enterrar as práticas nocivas que só envergonharam o setor, não só porque se trata de uma organização comprometida com boa governança, mas porque o esporte trata de paixão e carrega nossa bandeira que tremula com as cores e o nome de nosso país.

Assim, todos os que desejam ajudar no caminho da boa gestão, da integridade, da governança sabem que ele é longo e árduo. Não podemos perder tempo olhando para trás. Trata-se de uma prova de revezamento. Este é o espírito da vitória. Este é o espírito do Esporte.

* Daniela Castro, diretora-executiva do Pacto pelo Esporte; Hortência Marcari, membro da Comissão de Atletas do COB; e João Pedro Paro Neto, presidente do Conselho do Pacto pelo Esporte

** O Pacto pelo Esporte é um acordo privado e voluntário entre mais de 40 empresas patrocinadoras do esporte brasileiro, que tem como objetivo contribuir para que entidades esportivas pratiquem gestão profissional e íntegra, com transparência e governança.

Autor

  • Redação Uberlândia no Foco

    O Uberlândia no Foco é um portal de notícias localizado na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, que tem como objetivo informar a população sobre os acontecimentos importantes da região do Triângulo Mineiro e do país. Fundado por Rafael Patrici Nazar e Sabrina Justino Fernandes, o portal busca ser referência para aqueles que buscam informações precisas e atualizadas sobre a cidade e a região. Nosso objetivo é cobrir uma ampla gama de assuntos, incluindo política, economia, saúde, educação, cultura, entre outros. Além disso, visamos abordar também, questões relevantes a nível nacional, garantindo assim que seus leitores estejam sempre informados sobre os acontecimentos mais importantes do país. Nossa equipe é altamente capacitada e dedicada a fornecer informações precisas e confiáveis aos seus leitores. Eles trabalham incansavelmente para garantir que as notícias sejam atualizadas e verificadas antes de serem publicadas no portal. Buscamos oferecer aos leitores uma plataforma interativa, na qual possam compartilhar suas opiniões e participar de debates sobre os assuntos mais importantes da cidade e da região. Isso torna o portal uma plataforma democrática, onde todas as vozes podem ser ouvidas e valorizadas. Não deixe de nos seguir para ficar por dentro das últimas atualizações e notícias relevantes. Juntos, temos uma grande caminhada pela frente.

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