Celulares contam com muitos megapixels e lentes avançadas, mas não substituem câmeras DSLR e mirrorless completamente. As limitações dos smartphones incluem o tamanho do sensor e elementos ópticos com pouco zoom. Apesar disso, tanto celulares quanto câmeras fazem registros com boa qualidade de imagem.
Para mostrar como está o cenário “celular vs câmera profissional”, o Tecnoblog conversou com o fotógrafo profissional Erik Valentim, com o filmmaker e produtor de conteúdo audiovisual Alexandre Montenegro, e resgatou entrevistas anteriores com executivos da Samsung e Motorola sobre o assunto.
O que afeta a qualidade de uma imagem digital?
Fotos e vídeos registradas com celulares podem ter qualidade de imagem muito diferente do conteúdo feito com câmeras DSLR ou mirrorless. Os fatores que mais influenciam na qualidade de imagem englobam o tipo de sensor, as lentes utilizadas e o sistema de processamento de cores, entre outros. Entenda cada um deles a seguir.
1. Sensor de imagem
O tamanho do sensor de câmeras DSLR ou mirrorless costuma ser maior do que o de smartphones. Quanto maior é o tamanho do sensor de imagem da câmera, maior é a sua capacidade de captação de luz, o que contribui para aumentar a nitidez da imagem e reduzir o ruído.
É comum que uma câmera DSLR ou mirrorless avançada tenha sensor full frame, cujo tamanho padrão é de 36 × 24 mm, o mais amplo do mercado. Câmeras mais acessíveis ou portáteis podem ter sensores menores, como APS-H (próximo de 28 x 19 mm) e APS-C (próximo de 25 x 17 mm).
Celulares são dispositivos ainda mais compactos e, geralmente, eles têm sensores de tamanho inferior, como de 1 polegada (cerca de 13 x 9 mm) ou de 1/1,3 polegada (perto de 10 x 8 mm). Com isso, há um fator de corte (crop fator) que faz a área visível desses sensores ser consideravelmente menor em relação ao full frame.
Segundo o fotógrafo Erik Valentim, o sensor pequeno é uma grande dificuldade:
“A qualidade que as câmeras conseguem entregar é muito superior à dos smartphones. Em grande parte, isso é devido ao tamanho do sensor. Um sensor full frame, por exemplo, tem capacidade de, mesmo em condições de baixa luminosidade, entregar uma foto nítida, sem ruído e com qualidade profissional. [O sensor de] um smartphone não consegue entregar isso, hoje.”
A tecnologia do sensor é outro aspecto capaz de influenciar na qualidade de imagem. Normalmente, sensores CMOS consomem pouca energia e custam menos que o CCD. Mas um sensor CCD costuma ter mais sensibilidade à luz e fidelidade de cores.
2. Lentes
A vantagem mais perceptível das câmeras DSLR e mirrorless sobre os celulares é o suporte a lentes intercambiáveis. Essa característica permite que o usuário escolha a opção mais apropriada para cada momento, conforme o funcionamento da objetiva, e ajuste com mais precisão parâmetros como a abertura de lente.
Ao tirar retrato de pessoas, o fotógrafo pode usar uma lente com profundidade de campo rasa para desfocar o fundo da cena. Já para paisagens, lentes ultrawide, com distância focal curta, são mais adequadas por permitirem que toda a área enquadrada saia com nitidez.
Celulares não têm lentes intercambiáveis. Os fabricantes superam essa limitação implementando diferentes tipos de lentes smartphones. O filmmaker Alexandre Montenegro vê esse aspecto como uma abordagem útil, ainda que limitada:
“A impossibilidade de trocar de lentes já não é uma desvantagem tão grande, já que alguns modelos de smartphones têm uma lente ultra-angular, uma grande angular e uma teleobjetiva.
Claro que apenas isso não cobre todas as necessidades de um fotógrafo profissional, como fotografar algumas modalidades de esportes, como o surfe.”
Alguns aparelhos, como o Galaxy S23 Ultra, têm até lente periscópio para zoom óptico. Mas Valentim reforça que, apesar de toda a sofisticação que as câmeras de celulares têm, elas não atendem a todas as necessidades:
“Os smartphones não entregam vários recursos que as câmeras possuem, e que são necessários para fazer determinados trabalhos, por exemplo, a velocidade de disparo, e foco rápido e preciso. Determinadas situações exigem que o equipamento faça 10, 20 ou 30 disparos por segundo para você garantir um momento único.”
3. Processamento de cores
Celulares que contam com um processador de sinal de imagem (ISP) avançado conseguem registrar imagens com cores quase ou tão realistas quanto as que são feitas com câmeras convencionais.
Porém, muitos smartphones geram fotos e vídeos com cores saturadas ou alta faixa dinâmica (HDR) devido à ação de um sistema de reconhecimento de cana. Não é um defeito, mas um esforço para atender ao usuário que aprecia esses efeitos, mas não sabe ou não gosta de configurar a câmera para gerá-los.
É compreensível que a indústria automatize os recursos fotográficos dos celulares, afinal, usuários com pouco ou nenhum conhecimento de fotografia formam a sua maior base de clientes.
Há até esforços para orientar os usuários sobre as várias câmeras que um smartphone pode ter, como explicou Renato Citrini, gerente de marketing de produto da Samsung, ao Tecnoblog em 2020:
“Na parte de câmeras múltiplas, a gente trabalha com uma parte mais educacional de mostrar quais são os reais benefícios, quais são os recursos na hora que você tem em um smartphone com quatro câmeras, o que você consegue fazer com uma ultrawide, o que você consegue fazer com uma câmera macro.”
Mas usuários com experiência em fotografia não são ignorados. Muitos smartphones têm um modo “Pro” ou algo parecido que permite ajuste manual de parâmetros como balanço de branco, exposição, ISO e foco.
Alguns aparelhos registram imagens RAW (com dados brutos) para permitir edições minuciosas em aspectos como brilho, contraste e saturação.
Para todos os casos, a indústria recorre ainda a técnicas de fotografia computacional para amenizar as limitações das câmeras dos celulares. Entre elas estão o pixel binning, que combina vários pixels para formar um “superpixel”.
4. Sistema de foco
O foco automático (AF) permite que a câmera encontre o assunto da foto ou vídeo de maneira rápida. Isso facilita o registro de imagens, especialmente em situações adversas, como quando há baixa luminosidade.
Celulares também contam com foco automático. Neles, a técnica PDAF é a mais comum, estando também presente em câmeras DSLR mais básicas. A tecnologia mede os ângulos de raios de luz para calcular a distância do objeto em relação à câmera.
Há outros sistemas de foco automático de celular, a exemplo da tecnologia LAF, que usa um feixe de laser para detectar a distância. Como a velocidade da luz é alta, o ajuste de foco é quase instantâneo com essa tecnologia.
Esses avanços fazem o foco automático funcionar bem tanto em câmeras quanto em smartphones, explica Montenegro. Mas as câmeras podem ser mais vantajosas no foco manual: “os dois [tipos de dispositivos] são muito precisos, mas as câmeras ainda dão uma liberdade e um controle maior ao fotógrafo”, completa.
5. Estabilização
A estabilização é importante para evitar movimentos que causam borrões ou desfoques na imagem. Os três tipos encontrados em câmeras e celulares são:
- Estabilização eletrônica de imagem (EIS): utiliza zoom digital (por software) ou deslocamento do conteúdo das bordas do sensor. É comum em câmeras de ação, como as da linha GoPro, mas pode aparecer em celulares;
- Estabilização óptica de imagem (OIS): move elementos da lente para compensar movimentos prejudiciais à imagem. É muito comum em câmeras DSLR e mirrorless, mas também aparece em smartphones;
- Estabilização de imagem no corpo (IBIS): também chamada de sensor-shift, ajusta a posição do sensor de imagem para prevenir borrões ou desfoques. Aparece em câmeras e celulares avançados, como o iPhone 14 Pro.
Como celulares são levados para todos os lados, mas nem sempre há um suporte por perto para prevenir movimentos involuntários durante a tomada de fotos ou a gravação de vídeos, a indústria não hesitou em implementar estabilização nesses dispositivos.
“Estabilização é um ponto onde o celular já é bem melhor que algumas câmeras profissionais, e muito disso vem da junção hardware e software”, explica Alexandre Montenegro.
Mas câmeras também são fortemente beneficiadas por essas tecnologias, com a estabilização IBIS tendo destaque, como conta Erik Valentim:
“Os sensores estabilizados estão cada vez mais presentes nas câmeras mais avançadas, e eu acredito que vão se tornar um recurso obrigatório até nas câmeras de entrada. Até uns anos atrás, isso não era uma realidade, se fazia necessário o uso de um gimbal.”
O mito dos megapixels
Quanto mais megapixels tem o sensor da câmera, maior é a resolução da imagem obtida. Mas a resolução, sozinha, não determina a qualidade da foto ou vídeo. O tamanho do sensor é tão ou mais importante, bem como os demais quesitos mencionados acima.
Além disso, para que muitos megapixels caibam em sensores pequenos, o tamanho de cada pixel também deve ser reduzido. Isso diminui a quantidade de luz capturada, afetando o nível de detalhes e gerando ruído.
O filmmaker Alexandre Montenegro alerta sobre a importância de os megapixels não serem tratados como único fator de qualidade:
“A questão dos megapixels, às vezes, pode ser confundida como algo fundamental para se ter uma imagem digital de mais qualidade. Isso não é uma verdade absoluta. Muitas vezes é apenas marketing. O tamanho do sensor vai influenciar, o tamanho do próprio pixel vai influenciar.”
Veja nosso artigo completo com dicas para saber se a câmera do seu celular é boa.
Portabilidade x versatilidade em fotografia digital
No transporte, os celulares levam ampla vantagem, afinal, têm peso menor e são mais compactos que câmeras DSLR e mirrorless. Contudo, smartphones não são adequados para todos os momentos.
Quando há baixa luminosidade e outras adversidades, as câmeras podem gerar fotos e vídeos melhores por serem complementadas com opções de lentes e acessórios que não estão disponíveis para celulares. Além disso, o controle manual das câmeras costuma ser mais completo, facilitando os ajustes.
O contraponto é que as lentes e acessórios aumentam o volume a ser transportado. Para quando isso for um problema, a solução pode ser a montagem de um kit básico de câmera e acessórios, mais fácil de ser carregado.
No âmbito profissional, o celular até pode ser uma alternativa, mas não em todas as circunstâncias, como exemplifica Valentim: “onde será colocado uma sapata de flash para conseguirmos usar um flash externo e mais potente?”.
Mas o fotógrafo destaca que, nos registros cotidianos, as “câmeras foram completamente substituídas pelos smartphones”. Essa percepção é alinhada com a declaração dada ao Tecnoblog, em 2020, por Thiago Masuchette, head de produtos da Motorola Brasil:
“Os consumidores não queriam mais sair de suas casas com dois equipamentos (uma câmera e um celular para tirar as suas fotos). Os smartphones conseguiram agrupar mais e mais essa experiência. A Motorola trabalhou bastante para entender o que o consumidor buscava, o que ele deseja, a tendência e fazer essa implementação no seu portfólio.”
Celular tem melhor custo-benefício do que câmera profissional?
Câmeras profissionais são equipamentos caros, principalmente, se o fator custo incluir os preços de lentes e acessórios. Neste ponto, os celulares são mais vantajosos para usuários comuns, pois mesmos os modelos mais caros, como os iPhones Pro, tendem a ser mais baratos que um kit fotográfico de boa qualidade.
“Infelizmente, os equipamentos são muito caros e, nos últimos anos, tiveram um aumento absurdo nos preços. Uma ótima alternativa para quem quer iniciar na fotografia é recorrer a equipamentos usados”, aconselha Erik Valentim.
Já Alexandre Montenegro recomenda que fotógrafos e filmmakers aluguem equipamentos profissionais ou, quando a compra for imprescindível, simplesmente façam cálculos:
“Eu tenho um cálculo bem simples, que me ajuda a tomar uma decisão na hora de comprar uma câmera. Preciso faturar pelo menos cinco vezes o valor do equipamento no prazo de um ano. Não serve para tudo, mas dá pra aplicar na decisão de compra de uma câmera nova, uma lente nova ou um computador novo.
Existe a possibilidade de alugar um equipamento novo. Então eu posso alugar algumas vezes antes de comprar um equipamento específico. E, se eu passo alugar muitas vezes esse mesmo equipamento, eu o compro.”
Celulares podem substituir câmeras profissionais?
Os celulares ocuparam o espaço das câmeras digitais no dia a dia do usuário comum, mas isso não acontece no âmbito profissional. Embora linhas como iPhone Pro e Galaxy S permitam fotografias e filmagens de alta qualidade, elas não oferecem todos os recursos que um fotógrafo profissional pode precisar.
Para assuntos que se movem muito (esportes ou vida selvagem) e ambientes com pouca luz ou muita variação de luminosidade (festas ou shows), por exemplo, a experiência do fotógrafo pode precisar ser combinada com câmeras equipadas com sensores amplos, vários tipos de lentes e um bom conjunto de acessórios.
Com o celular não substituindo as câmeras em todos os momentos, quem se interessa pela área precisa analisar a “disputa” DSLR vs mirrorless para escolher o melhor equipamento para as suas necessidades. Cada categoria tem vantagens e desvantagens, mas câmeras mirrorless já são a maioria das opções nas lojas.